17 Novembro 2022
"As mudanças climáticas impõem medidas de mitigação, adaptação e indenização que, para todo o hemisfério sul, foram calculadas pelas Nações Unidas em cerca de 6 trilhões de dólares a serem encontrados até 2030", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano (Pisa), na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 16-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Energia, indústria, transporte, construção e alimentação são as áreas de intervenção para reduzir as emissões de CO2. Mas recorrer a empréstimos para ajudar os países do hemisfério sul equivale a escrever uma condenação. A Cop 27, a vigésima sétima conferência das partes sobre o clima em pleno andamento no Egito, tem como objetivo "acelerar a ação global em favor do clima por meio de iniciativas para reduzir as emissões, o reforço dos esforços de adaptação, maiores financiamentos".
Mas o Emissions Gap Report 2022, estudo feito pela ONU sobre os compromissos assumidos pelas nações para conter o aumento da temperatura terrestre, não autoriza otimismo. Os compromissos assumidos até agora não são suficientes para atingir o objetivo de Paris, ou seja, evitar que a temperatura da Terra suba acima de 1,5 grau Celsius. Para alcançar esse resultado, os Países devem fazer muito mais. Até 2030, devem reduzir suas emissões em mais 45% do que prometeram, enquanto por volta de 2050 as emissões líquidas devem ser zeradas. Se a taxa de redução de emissões permanecer a atual, a temperatura da Terra continuará crescendo até registrar um aumento entre 2,4 e 2,8 graus Celsius em 2100 em relação à era pré-industrial.
O Relatório indica cinco grandes áreas de intervenção para reduzir efetivamente a produção de gases do efeito estufa. A primeira diz respeito ao setor elétrico que contribui com 37% das emissões totais. O caminho indicado é a superação das centrais de combustíveis fósseis, por meio de diversas estratégias, sendo a primeira delas a eliminação das contribuições públicas em favor das fontes fósseis. Embora todos afirmem estar de acordo com essa medida, em 2020 as fontes fósseis absorveram 56 mil milhões de dólares de contribuições públicas, 11 dos quais para produzir energia elétrica a partir do carvão, gasóleo e gás. O Relatório pede veementemente que o dinheiro seja desviado para as energias renováveis que, inclusive, se tornaram as formas menos dispendiosas de produção de energia elétrica.
Após a “transição elétrica”, o Relatório centra-se na indústria manufatureira como segunda área de intervenção. Dado que a indústria contribui com 26% das emissões, mais uma vez a “economia circular” é apontada como a principal estratégia de mudança. Mas, ao mesmo tempo, recorda-se a necessidade de rever em profundidade o modo de produção de aço e de cimento, as duas produções que mais requerem energia. A terceira área de intervenção diz respeito aos transportes para os quais é necessária uma redução da mobilidade, sobretudo aquela aérea, com um aumento simultâneo dos transportes partilhados e uma maior utilização de veículos elétricos.
A quarta área diz respeito aos edifícios que devem ser orientados para formas energéticas autônomas e altamente eficientes. Finalmente, a quinta área diz respeito ao setor de criação animal e agricultura que contribui com 18% das emissões totais. Mas se ampliarmos nosso olhar também para fertilizantes, desmatamento, transformação industrial e refrigeração, descobrimos que o sistema alimentar contribui com cerca de um terço do total de emissões. Responsabilidade da lógica extrativista que transformou a agricultura em um gigantesco moedor de carne em que a terra é um simples substrato a ser inundado com química para obter a germinação e o crescimento forçado das plantas, as sementes um amontoado de moléculas a serem modificadas segundo cálculos de melhores retornos financeiros, trabalhadores como força de trabalho a ser explorada, consumidores como patos a serem engordados de acordo com seu poder de compra: em jejum fica quem não tem dinheiro para gastar, para a engorda todos os demais.
Tanto que de um lado temos dois bilhões de pessoas com vários tipos de déficits nutricionais, 800 milhões até com fome crônica, do outro dois bilhões de obesos. E como até a capacidade de se superalimentar tem seus limites, a máquina do alimento se organizou em torno do desperdício para obter a absorção de tudo o que produz.
A estratégia chama-se consumo de carne, verdadeiro campeão de ineficiência, pois são necessárias em média 7 calorias vegetais para obter uma caloria animal. Mas isso permite que a agroindústria arrebate cada vez mais terras das florestas a serem destinadas a pastagens e elevar o aumento dos investimentos nas atividades de baixa emissão e produção de grãos e leguminosas para alimentar os animais. Estima-se que 40% das terras aradas produzem para o a criação animal. É por isso que a luta contra as alterações climáticas passa também pela mudança dos estilos alimentares e das formas de produção agrícola orgânica, baseadas em pequenas unidades empresariais orientadas para os mercados locais.
O Relatório da ONU também dedica um capítulo às finanças para nos dizer que são necessárias duas iniciativas de sinal oposto: uma rápida diminuição dos investimentos naqueles com altas emissões. Que traduzido significa desinvestimento em empresas e projetos orientados para a extração e utilização de combustíveis fósseis e um simulo deslocamento para as tecnologias renováveis. Os valores necessários para a transição tecnológica para conter as mudanças climáticas são enormes, mas não são os únicos necessários. Também é necessário encontrar dinheiro para obras de infraestrutura úteis para nos defendermos dos fenômenos extremos que as mudanças climáticas acarretam. Sem falar na necessidade de reparar os danos causados pelos eventos extremos.
Neste 2022, em agosto passado, o Paquistão, que contribui com menos de 1% das emissões de carbono, foi atingido por uma inundação que provocou uma crise humanitária de proporções gigantescas. Milhares e milhares de quilômetros quadrados foram inundados causando a morte de mais de 1.200 pessoas e o deslocamento forçado de milhões de indivíduos. O dano econômico foi estimado em US$ 40 bilhões. Em suma, as mudanças climáticas impõem medidas de mitigação, adaptação e indenização que, para todo o hemisfério sul, foram calculadas pelas Nações Unidas em cerca de 6 trilhões de dólares a serem encontrados até 2030.
Sabendo que são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas, os países ricos prometeram ajudar o hemisfério sul com 100 bilhões por ano. Não muito, pode-se dizer, mas nem esse objetivo consegue ser alcançado: em 2020, o financiamento ainda estava em 83 bilhões. Além disso, a maior parte dos recursos oferecidos é na forma de empréstimos. O que transforma a ajuda um problema mais que em um alívio, porque o Sul do mundo já tem dívidas demais. O choque econômico causado pela pandemia tornou dramática uma situação já desesperadora. A dívida pública aumentou em 108 dos 116 países do Sul global, enquanto 54 deles agora são classificados como devedores críticos.
A maioria deles se localiza na África, mas também há alguns da Ásia (Paquistão, Sri Lanka, Bangladesh) e da América Latina (Argentina, Venezuela). 28 deles também pertencem à categoria de países mais vulneráveis ao clima. Sua dívida pública externa total gira em torno de 780 bilhões de dólares, mas o problema mais sério são os juros, que cresceram consideravelmente nos últimos dois anos. Segundo um levantamento realizado pela Norwegian Church Aid, os países do hemisfério sul destinam, em média, 25% dos gastos públicos ao pagamento da dívida (juros e prestações em vencimento), com picos de 31% na África Subsaariana.
Números ainda mais dramáticos quando comparados com seus gastos sociais e de saúde. Os gastos com o serviço da dívida representam 75% dos gastos com saúde e assistência social na Ásia, 100% na América Latina e 120% na África Subsaariana. Dito de outra forma, se o serviço da dívida fosse eliminado, em média os países do Sul global poderiam dobrar seus gastos sociais e de saúde. Eles poderiam até aumentar os gastos com a emergência climática em 32 vezes.
Tudo isso explica porque, na conferência anterior em Glasgow, os representantes dos países mais pobres tinham reivindicado a liberação da dívida como estratégia fundamental de financiamento. Mas o pedido não foi aceito. A situação precisa ter um melhor encaminhamento na conferência deste ano ou o problema continuará a piorar.
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Não fazer o suficiente pelo clima é aumentar a dívida dos pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU